terça-feira, 31 de agosto de 2010

A lua no labirinto - neruda


Pouco a pouco e também muito a muito
me aconteceu a vida,
e que insignificante é este assunto:
estas veias levaram
sangue meu que poucas vezes vi,
respirei o ar de tantas regiões
sem guardar para mim uma amostra de nenhum
e afinal de contas já o sabem todos:
ninguém leva nada de seu
e a vida foi um empréstimo de ossos.
O belo foi aprender a não se saciar
da tristeza nem da alegria,
esperar o talvez de uma última gota,
pedir mais ao mel e às trevas.

Talvez fui castigado:
talvez fui condenado a ser feliz.
Fique afirmado aqui que ninguém
passou perto de mim sem me compartir.
E que meti a colher até o cotovelo
numa adversidade que não era minha,
no padecimento dos outros.
Não se tratou de palma ou de partido
mas de pouca coisa: não poder
viver nem respirar essa sombra,
com essa sombra de outros como torres,
como árvores amargas que o enterram,
como pancadas de pedra nos joelhos.

A tua própria ferida se cura com pranto,
a tua própria ferida se cura com canto,
mas a tua porta mesmo se dessangra
a viúva, o índio, o pobre, o pescado,
e o filho do mineiro não conhece
o seu pai entre tantas queimaduras.
Muito bem, mas o meu ofício
foi
a plenitude da alma:
um ai de gozo que te corta a respiração,
um suspiro de planta derrubada
ou o quantitativo da ação.

Eu gostava de crescer com a manhã,
embeber-me de sol, com pleno gozo
de sol, de sal, de luz marinha e onda,
e nesse avanço da espuma
fundou meu coração seu movimento:
crescer com profundo paroxismo
e morrer se derramando na areia.